quarta-feira, 19 de agosto de 2009

La Stratas/ La Ewig





Em tempo: o Lulu com a Stratas ( Teresa), dirigida por Pierre Boulez, é de matar de inveja a galinha sefaradita Maria Ewig ( que nos deu uma Salomé com transtorno bipolar e fogo no absinto, encenada por Peter Hall). Deve existir algum vírus responsável pela coloratura, esta arte de volutas incandescentes, de miomas em fá. A coloratura é um cataclisma do útero; sues abalos sísmicos são os peidos da Eternidade ( bem, do Eterno feminino ao menos, tara demodé), se esta se desse ao luxo de exercitar-se ainda em linguagem, em se exprimir. Mas ela já não precisa falar/peidar ( a oposição é psicanalítica e trágica também, a impossível resolução se situa em algum ponto entre uma litania cantada por Om Kalsoum e um disco de Bach, girando indefinidamente sobre o contraponto da dissolução, numa tarde em Treblinka). Não, a Eternidade não nos dá o ar de sua graça, e quando se digna a tal, já não há testemunhas para o seu esplendor. E se houvesse espectadores para esta noite de gala, seríamos nós a noite, enfim engalanados pelo manto espesso do Oblivium: fulminação.
O link para download abaixo:



http://www.avaxhome.ws/music/classical/DG463617_Lulu.html



Spontini

Spontini é um dos menos conhecidos mestres do bel canto. Talvez por não ser considerado exatamente um mestre, talvez por sua música respirar menos o agônico operístico que o capitoso camerístico; talvez pela Vestale, sua ópera mais famosa, ser um fruto temporão de Berlioz; talvez por sua excessiva condescendência para com Meyerbeer, grave e aveludado pastor de correspondências- Luto e Evocação, Desalento e Amor, todos os seus contrapontos pranteiam o instante natimorto, as volutas de sua música se perdem no zéfiro da tísica.


Demasiado tarde, demasiado cedo. Ele antecipa o féretro do romantismo, ou o romantismo como féretro; o romantismo, meu inimigo de morte, o puto que combato, por vislumbrar nele o meu gêmeo incestuoso, meu petit pan de mur jaune recalcado, o reservatório dos meus fantasmas de pederasta impune (impunemente!), de diletante, de bricoleur...o romantismo, cujo enterro Wagner vai celebrar com pompas necrófilas, cujas exéquias de Musa catarrenta e tricolor Poussin vai retratar no Hymenaus travestido durante um sacrifício a Príapo... Odes, necrofilia, masoquismo... Tu che invoco! Só para terem uma idéia de como Berlioz é , ao lado do ensandecido Spontini, apenas um cristal crocante e quebradiço. Abaixo, um link da morosa Janet Baker cantando Les Nuits d’eté (pior: a sonambúlica, a lexotânica Le spectre de la rose), e comparem com o escrínio precioso de sangue e vísceras, o milagroso coágulo de treva, a hóstia expiatória da dor e do desamparo ( lembrei de minha adolescência!, maldita seja!) que é Tu che invoco ( claro!), ária que se poderia, apenas num momento de hemiplegia fatal dos neurônios que me restam, comparar- pelo esmero harmônico, pela linha que se escande e se suspende no infinitivo de seu último suspiro.

Primeiro a Baker. Doppo, La Callas, que não tem pra outra, mesmo que já meio pé na cova ( a gravação é de 1958, com Rescigno em Paris, e a voz da coitada já não era o que tinha sido em 1954, com a imortal Violeta Valéry de Serafim).




http://www.youtube.com/watch?v=kJzvqX_phcE



http://www.youtube.com/watch?v=gaFI0f-ieYI



http://www.youtube.com/watch?v=HK_RFPYnauU